Apesar
de tudo, é Natal!
Da
janela, uma verdadeira tarde de final de outono. Pouco a pouco, a tonalidade
das poucas folhas que teimavam em permanecer havia sido alterada e pintava,
agora, a cidade de cores sombrias: castanhos, verdes murchos, vermelhos
escuros, amarelos e dourados sem fulgor. Juntamente com as árvores, os
edifícios da escola erguiam-se perante o emaranhado de nuvens que deixava
escapar uma gélida chuva miudinha. Da janela, uma pálida luz sobrevivia, a
custo, à escuridão.
Pensamentos sombrios como a tarde bailavam
na cabeça de Natália. Era tempo de dar a quem mais precisava, de espalhar uma
semente de esperança que pudesse resgatar quem já havia desistido de lutar, de
oferecer algo feito de amor e carinho. Natália não podia deixar de pensar na
sua melhor amiga: os olhos azuis tinham-se tornado cinzentos, o habitual
sorriso parecia, agora, uma flor murcha, esquecida numa jarra, toda ela parecia
uma sombra que insistia em esconder-se nas sombras; passar despercebida a todo
o custo. Era assim, desde que Paty (Patrícia, a filha da vice-diretora) e os
colegas a elegeram a sua vítima preferida. Paty e o seu grupo circulavam
altivamente por toda a escola como se tratasse de um território demarcado.
Faziam parte da turma modelo, ganhavam todos os prémios, era impossível folhear
o jornal interno sem deparar com as poses estudadas, eram o orgulho de toda a
escola; só não eram o orgulho da nação porque para além daquele portão,
daquelas vedações, eram apenas um grupinho anónimo de adolescentes irreverentes
(próprio da idade), a roçar, por vezes, o desagradável. Infelizmente para
Natália e Andreia, aquele também era o seu mundo. Paty, coadjuvada pelo grupo,
tinha sabido tecer uma labiríntica teia de intrigas e calúnias, na qual Andreia
se enredava, cada vez mais triste e humilhada. O pior de tudo, é que Natália
sabia que era, em grande parte, culpada pelo que estava a acontecer. Não tinha
sido ela a ousar ter melhores notas do que Paty? Não tinha sido ela quem
teimara em participar em concursos, cujos vencedores já estavam pré-definidos?
Aquele peso oprimia-a, esmagava-a até à exaustão!
- Atenção turma! Tenho aqui o
regulamento do concurso “Conto de Natal” e sei que alguns de vós vão querer
participar. – A voz da professora de Português resgatou-a, trouxe-a para a
realidade.
Como já se vinha tornando um hábito, lá
teria de defrontar Paty, mais uma vez. Todos os anos, os alunos usavam a
imaginação para dar corpo às mais fantásticas histórias Natal, mesmo sabendo
que o máximo que poderiam alcançar era o segundo lugar. O primeiro lugar estava,
implicitamente, reservado para a brilhante Paty e para as suas bonitas
histórias vazias, repletas de purpurinas, tal como os adereços que enfeitam os
Centros Comerciais, e uma mão cheia de lamechices. Por seu lado, Natália sabia
bem o que queria: queria expor aquela situação vivida por Andreia, queria mostrar
que são os verdadeiros problemas que marcam o Natal, queria escrever sobre o
que realmente importa.
Finalmente chegou o dia tão esperado: o
último dia de aulas do primeiro período e, também, o dia da entrega dos prémios
do concurso “Conto de Natal”. A biblioteca, toda engalanada, deixava escapar
aromas natalícios que provinham duma grande mesa situada do lado esquerdo.
Pouco a pouco, a sala enchia-se com um vibrante burburinho; todos estavam
curiosos, alguns suspiros e muitas gargalhadas nervosas. Todavia, o crescente
amontoado que ali se formava não imaginava a surpresa daquele ano.
O diretor, após um breve discurso no espírito
da época festiva, aclarou a voz para revelar as decisões do júri do concurso.
Ao anunciar o derradeiro nome, ou seja, o vencedor, a biblioteca depressa se
tornou numa explosão de aplausos e ovações. Todos lhe sorriam carinhosamente,
como se duma heroína se tratasse. Porém, no meio da multidão de sorrisos, Natália
procurava um em especial. E, foi ofuscada com os flashes e ao som das muitas
palmas, que a viu. Ali estava Andreia, a razão da sua vitória. Ao receber o
prémio das mãos do diretor, vislumbrou também a expressão incrédula de Paty.
Ao ler as primeiras linhas, Natália tremia de
emoção: pela primeira vez, o júri tinha-se libertado das amarras que o
limitavam. Paty percebera que afinal nem sempre as influências e as pressões
são o melhor caminho e, enquanto ouvia o conto, decidiu que tinha mesmo de
deixar de implicar com Andreia, se não queria ver-se envolvida em algo tão
pouco elegante como o “bullying”.
A voz de Natália elevava-se, límpida e
perfeita, falava de justiça, de generosidade, de amizade, de fraternidade e de
igualdade de oportunidades. Ao som daquela voz, todos podiam sentir-se em
harmonia e sorriam ao serem relembrados do que é realmente importante.
Daniela Silva nº8 10ºA
1 comentário:
Daniela, é sempre um prazer ler qualquer texto escrito por ti. Fico feliz por continuares a usar essa tua "veia"... A ex-profª de LP
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