quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

CONTO DE NATAL - 2º prémio Ensino Secundário
 
Apesar de tudo, é Natal!

     Da janela, uma verdadeira tarde de final de outono. Pouco a pouco, a tonalidade das poucas folhas que teimavam em permanecer havia sido alterada e pintava, agora, a cidade de cores sombrias: castanhos, verdes murchos, vermelhos escuros, amarelos e dourados sem fulgor. Juntamente com as árvores, os edifícios da escola erguiam-se perante o emaranhado de nuvens que deixava escapar uma gélida chuva miudinha. Da janela, uma pálida luz sobrevivia, a custo, à escuridão.

    Pensamentos sombrios como a tarde bailavam na cabeça de Natália. Era tempo de dar a quem mais precisava, de espalhar uma semente de esperança que pudesse resgatar quem já havia desistido de lutar, de oferecer algo feito de amor e carinho. Natália não podia deixar de pensar na sua melhor amiga: os olhos azuis tinham-se tornado cinzentos, o habitual sorriso parecia, agora, uma flor murcha, esquecida numa jarra, toda ela parecia uma sombra que insistia em esconder-se nas sombras; passar despercebida a todo o custo. Era assim, desde que Paty (Patrícia, a filha da vice-diretora) e os colegas a elegeram a sua vítima preferida. Paty e o seu grupo circulavam altivamente por toda a escola como se tratasse de um território demarcado. Faziam parte da turma modelo, ganhavam todos os prémios, era impossível folhear o jornal interno sem deparar com as poses estudadas, eram o orgulho de toda a escola; só não eram o orgulho da nação porque para além daquele portão, daquelas vedações, eram apenas um grupinho anónimo de adolescentes irreverentes (próprio da idade), a roçar, por vezes, o desagradável. Infelizmente para Natália e Andreia, aquele também era o seu mundo. Paty, coadjuvada pelo grupo, tinha sabido tecer uma labiríntica teia de intrigas e calúnias, na qual Andreia se enredava, cada vez mais triste e humilhada. O pior de tudo, é que Natália sabia que era, em grande parte, culpada pelo que estava a acontecer. Não tinha sido ela a ousar ter melhores notas do que Paty? Não tinha sido ela quem teimara em participar em concursos, cujos vencedores já estavam pré-definidos? Aquele peso oprimia-a, esmagava-a até à exaustão!

- Atenção turma! Tenho aqui o regulamento do concurso “Conto de Natal” e sei que alguns de vós vão querer participar. – A voz da professora de Português resgatou-a, trouxe-a para a realidade.

   Como já se vinha tornando um hábito, lá teria de defrontar Paty, mais uma vez. Todos os anos, os alunos usavam a imaginação para dar corpo às mais fantásticas histórias Natal, mesmo sabendo que o máximo que poderiam alcançar era o segundo lugar. O primeiro lugar estava, implicitamente, reservado para a brilhante Paty e para as suas bonitas histórias vazias, repletas de purpurinas, tal como os adereços que enfeitam os Centros Comerciais, e uma mão cheia de lamechices. Por seu lado, Natália sabia bem o que queria: queria expor aquela situação vivida por Andreia, queria mostrar que são os verdadeiros problemas que marcam o Natal, queria escrever sobre o que realmente importa.

   Finalmente chegou o dia tão esperado: o último dia de aulas do primeiro período e, também, o dia da entrega dos prémios do concurso “Conto de Natal”. A biblioteca, toda engalanada, deixava escapar aromas natalícios que provinham duma grande mesa situada do lado esquerdo. Pouco a pouco, a sala enchia-se com um vibrante burburinho; todos estavam curiosos, alguns suspiros e muitas gargalhadas nervosas. Todavia, o crescente amontoado que ali se formava não imaginava a surpresa daquele ano.

  O diretor, após um breve discurso no espírito da época festiva, aclarou a voz para revelar as decisões do júri do concurso. Ao anunciar o derradeiro nome, ou seja, o vencedor, a biblioteca depressa se tornou numa explosão de aplausos e ovações. Todos lhe sorriam carinhosamente, como se duma heroína se tratasse. Porém, no meio da multidão de sorrisos, Natália procurava um em especial. E, foi ofuscada com os flashes e ao som das muitas palmas, que a viu. Ali estava Andreia, a razão da sua vitória. Ao receber o prémio das mãos do diretor, vislumbrou também a expressão incrédula de Paty.

  Ao ler as primeiras linhas, Natália tremia de emoção: pela primeira vez, o júri tinha-se libertado das amarras que o limitavam. Paty percebera que afinal nem sempre as influências e as pressões são o melhor caminho e, enquanto ouvia o conto, decidiu que tinha mesmo de deixar de implicar com Andreia, se não queria ver-se envolvida em algo tão pouco elegante como o “bullying”.

   A voz de Natália elevava-se, límpida e perfeita, falava de justiça, de generosidade, de amizade, de fraternidade e de igualdade de oportunidades. Ao som daquela voz, todos podiam sentir-se em harmonia e sorriam ao serem relembrados do que é realmente importante.
Daniela Silva   nº8 10ºA

1 comentário:

Anónimo disse...

Daniela, é sempre um prazer ler qualquer texto escrito por ti. Fico feliz por continuares a usar essa tua "veia"... A ex-profª de LP